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O Brasil, as Quotas e sobre a classificação racial da população brasileira

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“O Brazil tem um grave problema com a pobreza dos negros, mas também é um exemplo da beleza da mestiçagem. Um exemplo que é importante.”

(…)

De facto, existem desde há muito tempo estudos que colocam o Brasil como o exemplo daquilo que daqui a cem anos será a população mundial, uma nova raça das raças, contendo em si mesma todos os traços de todas as raças humanas, mas também existem estudos que colocam este exemplo mundial de tolerância e coexistência inter-racial pacífica com um problema sério e continuado e que tem a ver com a presença constante da sua população negra nos escalões mais baixos da sociedade, e a população branca nos escalões sociais e económicos mais elevados…

“Para resolver este problema, o seu Governo pôr em marcha programas de discriminação positiva, que com o presidente Lula se estenderam ainda mais. Hoje, muitas universidades têm vagas reservadas para aqueles que procedem das escolas públicas e para negros. As quotas dos negros são objecto de feroz controvérsia. Em primeiro lugar, existem objecções de princípio. Maria Teresa Moreira de Jesus, uma poeta e escritora negra, explicou-as assim: «O racismo existe, desde como te tratam numa loja até à forma como te entrevistam para um trabalho, mas basear o acesso sob a forma da raça é outra forma de racismo».

(…)

Já por aqui escrevi sobre estas polémicas políticas de Discriminação Positiva… Escrevi a favor, por essa razão não me alongarei muito nesta tema, tanto mais porque não tenho sobre esta questão uma posição absolutamente firme e inflexível, mas mantenho o cerne da minha posição essencial: Ainda que sejam efectivamente discriminatórias sobre a base racial, introduzem mecanismos de correcção sobre velhos, mas vivos, desiquilíbrios históricos. Sendo negativas, porque podem introduzir algumas injustiças, são menos injustas do que não fazer nada ou deixar o rumo das coisas ao sabor do “mercado”. Na grande balança da Justiça Social, são preferíveis a não fazer nada… E sobretudo cumprem o grande princípio da Ética Utilitarista que tento seguir: a todos de acordo não com as suas capacidades, mas de acordo com as suas necessidades.

“Existe também uma dificuldade prática: numa sociedade tão mesclada e multicolor. Como se decide quem é negro? O problema surgiu de forma muito gráfica no recente caso de dois gémeos idênticos: Alex e Alan Teixeira da Cunha, que solicitaram um lugar na Universidade de Brasília e se inscreveram no programa de quotas. Alan foi aceite por ser negro, Alex foi recusado por não o ser.”

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Se calhar porque o erro está em que as quotas não devem ser estabelecidas de acordo com “raça” (um conceito desactualizado e genéticamente difícil de determinar), mas sim de acordo com o verdadeiro objectivo da política: conceder quotas no Ensino aqueles que mais dificuldade tem em aceder ao dito: isto é, quotas por níveis de riqueza económica e não por raça… A medida seria menos polémica e isenta de acusações raciais, e poderia ser facilmente ser transformada de uma “política de quotas” numa muito mais saudável “política de bolsas”, abrindo também as portas a instituições de ensino privadas.

“Alguns dos movimentos negros do país, muito activos, preferem o termo afrodescendentes. Mas um estudo científico recente sobre o ADN mitocôndrico e nuclear mostrou que mais de 85% da população – incluindo dezenas de milhões de brasileiros que se julgam “brancos” – tem uma carga genética de origem africana de mais de 10% do seu genoma.”

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Mais uma expressão da propensão portuguesa em se mesclar com mulheres de outras origens… Uma das primeiras decisões de Afonso de Albuquerque ao chegar à Índia foi também a mesma decisão de muitos colonos portugueses no Brasil que misturaram o seu sangue com as escravas negras que importavam de África… Este fenómeno não ocorreu nesta escala em nenhuma possessão colonial inglesa ou holandesa, e é essencialmente português e reflecte aquilo que ainda é hoje a “alma portuguesa”: multicultural e tendencialmente disposta a encarar o outro como seu igual… Ainda que a escravatura só tenha sido abolida no Brasil em 1888, o que prejudica um tanto esta imagem, mas mantêm a visão de excepção que aqui apresentamos.

“Os dados recentes do Instituto Oficial de Geografia e Estatística indicam que aproximadamente 50% dos brasileiros se consideram como “brancos”, um pouco mais de 40% como “castanhos”, cerca de 6% como “negros” e menos de 1% como “amarelos” ou “indígenas”. Num gesto cheio de audácia, os representantes dos movimentos negros, alguns apoiados por fundações norte-americanas, propuseram que toda a população não-branca se classifique como “negra”. Assim tudo seria mais simples: branco e negro.”

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“Outros afirmam, horrorizados, que isto equivaleria a importar o pior da classificação radio de tipo norte-americana e negar a mestiçagem característica do Brasil. Se é verdadeiramente necessário que existam quotas de admissão em função da côr – algo que os tribunais dos EUA acabam de declarar discriminatório – pelo menos que se inspirem no método tradicional brasileiro de identificação.”

Mas havendo também 10% de genoma africana mesmo nos ditos “brancos”… Então afinal quantos brancos verdadeiros restariam na população? Zero? E se sim, concordamos com os tribunais americanos na essência discriminatória das quotas, discordamos quanto a medida é encarada como “correcção”, ou como “mal menor que corrige um mal maior”… Na impossibilidade de anular todo o sofrimento acumulado sobre as populações africanas trazidas para as américas como escravos, não temos hoje o dever moral de compensar um pouco deste sofrimento abrindo novas oportunidades que lhes permitam vencer essas limitações? Sim, acredito que temos… Mas havendo no Brasil uma quase impossibilidade de identificar “negros verdadeiros” (ou brancos, por sinal…) então o mais correcto seria estabelecer essas quotas não por raças, mas por… níveis de riqueza.

Fonte: Timothy Garton Ash; El Pais; 15 de Julho de 2007



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